
Análise tática: como Witsel comanda a saída de bola do Borussia
O fator chave para o desempenho do Borussia Dortmund no mês de agosto tem nome e sobrenome: Axel Laurent Angel Lambert Witsel. O belga de 30 anos foi fundamental nas atuações vencedoras do clube aurinegro, tanto na Supercopa contra o Bayern de Munique, quanto na DFB-Pokal sobre o KFC Uerdingen e na Bundesliga, contra Augsburg e Köln. Não é coincidência o fato de que a única partida ruim e com derrota do time, contra o Union Berlin, tenha sido na ausência do meio-campista.
Alguns números que contextualizam o início de temporada de Witsel: na Bundesliga é o jogador com maior média de passes por partida (110.5) e único não-zagueiro entre os dez maiores passadores. Líder em quantidade, mas também em qualidade: com 96.8% de aproveitamento, errou apenas 7 passes de 221 tentados em 180 minutos de Campeonato Alemão. Ainda na conta de Witsel estão duas assistências – ambas na vitória sobre o Augsburg.
Analisamos as três partidas do Borussia na Bundesliga para entender melhor a importância de Witsel para o sistema de Lucien Favre, as virtudes e as deficiências do funcionamento da saída de bola do time sem o belga. Guia rápido de como navegar nos recursos visuais desse artigo: clique para ampliar as imagens e utilize as setas para navegação. Para assistir os vídeos, basta clicar no play – e clicar novamente para pausar (altamente recomendado, caso contrário o vídeo continua sendo exibido em looping).

Um fator primordial para o funcionamento de Axel Witsel é a recuperação de Julian Weigl. O jogador que na teoria sempre foi o parceiro ideal para o belga no meio-campo, teve uma temporada ruim em 2018-2019 e foi superado por Thomas Delaney, que, com características distintas, não permitiu a implementação completa da proposta de Lucien Favre. Para dar fluidez a saída de bola do Borussia Dortmund, foi possível observar desde a pré-temporada que o treinador se aproveita de um quarteto defesa com iguais responsabilidades na distribuição de jogo na transição defensiva: em condições ideais, Akanji e Hummels, Weigl e Witsel.
A proposta para superar o bloqueio adversário consiste, explicando de modo raso, na formação de um losango orientado pelo posicionamento de Witsel, que cai para a linha defensiva pelo centro ou pelos flancos, com Weigl centralizado a frente da defesa. De certa forma, Favre explora o melhor dos dois volantes: a inteligência posicional de Witsel, que circula, ocupa e cria espaços, e a capacidade de distribuição de Weigl, que não coincidentemente teve seus melhores momentos no Borussia atuando assim, posicionado a frente dos zagueiros na Era Tuchel.
É possível notar nos exemplos como Witsel surge para auxiliar os zagueiros, desafogar a saída de bola e dar mais liberdade de movimentação para Weigl. Favre deve ter notado que Weigl não se adaptou muito bem ao sistema de double pivot, ficando claramente desconfortável e confuso quanto a suas atribuições. Novamente centralizado diante da linha defensiva, parece ter retomado a capacidade de ler o jogo e atuar com segurança.
Outro aspecto positivo se dá no aproveitamento dos laterais. Caso um time queira que os laterais ataquem muito e atue com uma linha de quatro defensores, naturalmente exigirá muito da parte física dos alas, que precisam voltar para recompor sempre, sob o risco de deixar o time exposto a contragolpes. No atual sistema, Piszczek e Schulz, laterais de muitas virtudes ofensivas, ganham liberdade para permanecerem avançados como opção no ataque, o que é mais um fator chave para a superação dos bloqueios defensivos adversários. Assim, o Dortmund compensa a escassez de espaço campo adversário com superioridade numérica.
Quando ressalto a importância da presença de bons passadores, me refiro aos resultados obtidos pela nova proposta em situações de jogo com as dos vídeos acima – cenários estes que se repetiram por diversas vezes. Uma peculiaridade do sistema precisa ser analisada em detalhes, portanto repita os dois vídeos por quantas vezes for necessário. Na fase ofensiva, a linha de três que se forma na defesa não fica presa atrás do meio-campo, pelo contrário: um jogador centralizado atua como um tradicional líbero, e os dois mais abertos avançam para apoiar o meio-campista central. Ou seja, o que em um primeiro momento é Witsel, Akanji, Hummels – Weigl (3-1), se torna Akanji – Witsel, Weigl, Hummels (1-3).
Isso permite a criação de oportunidades como as dos lances destacados acima. No primeiro momento, Hummels chega na intermediária do adversário com liberdade para tentar o passe mais agressivo, furando o bloqueio defensivo e gerando uma oportunidade clara de gol. No segundo momento, Akanji aparece com liberdade e avança até o último terço do campo, novamente dando superioridade numérica e conseguindo colocar Sancho em boas condições, dentro da área do oponente. O primeiro lance começa com Witsel ocupando o espaço do lado direito da defesa deixado pelo avanço de Piszczek, o segundo nasce a partir da retenção de bola de Witsel, que controla a ação até encontrar um companheiro em boas condições de progredir.
Notem novamente como Axel Witsel retém a bola e atrai dois marcadores, abrindo o espaço para que Mats Hummels ultrapasse a linha do meio-campo e encontre Julian Brandt próximo a área do Köln. Em seguida, Brandt aproveita a movimentação de Marco Reus, que quase balança as redes. Favre prega paciência, mas o espaço criado exige objetividade para que não haja o desperdício, e esse lance exibe isso de forma clara: Hummels dá dois toques na bola, Brandt apenas três e Reus apenas um. Em poucos segundos abriu a defesa do adversário e criou um lance de muito perigo, e tudo começou com a participação de Witsel.
Isso só foi possível, porém, porque no segundo tempo da partida o Köln afrouxou a marcação que exerceu sobre o camisa 28. Na etapa inicial, com a natural melhor disposição física, melhor concentrado e com a presença do colombiano Jhon Córdoba, os Effzeh souberam deter Witsel.
Durante a maior parte do tempo, Modeste travou um duelo individual contra Hummels, não deixando o zagueiro aurinegro sem companhia e eliminando uma fonte natural de passes da defesa do Borussia. Córdoba, porém, circulou com inteligência: percebam no primeiro lance como, com Witsel avançando, o atacante acompanha Weigl, desfazendo o quarteto e deixando Akanji com apenas duas opções, ou a troca de passes inofensiva com Piszczek e Bürki, voltando a estaca zero, ou um passe longo onde muito provavelmente a defesa do Köln se sobressairia por conta da superioridade física.
No segundo lance, porém, um movimento muito mais interessante e desenhado para impedir a contribuição de Witsel. Conscientemente os atacantes do Köln fecham a linha de passe e impedem que o belga tire Bürki do sufoco. Na sequência do lance, o goleiro acaba trocando passes com Akanji e sendo obrigado a recorrer ao chutão. O Köln foi quem melhor entendeu a importância de Witsel para a saída do Borussia Dortmund e soube deter muito bem enquanto teve disposição para marcar.
Lesionado, Witsel não participou do confronto contra o Union Berlin e deixou evidente uma dura realidade: é insubstituível. O Borussia Dortmund tem opções capazes de talvez repor parte da perda técnica, ou compensar com outras qualidades, mas não a inteligência tática do meia.
Thomas Delaney começou como titular ao lado de Julian Weigl e foi substituído por Mahmoud Dahoud no segundo tempo. Acompanhem nos quatro lances acima o motivo de nenhuma das formações ter sido capaz de suprir a ausência de Witsel e o time do Dortmund ter sido tão facilmente neutralizado pelo Union. Com Weigl auxiliando os zagueiros e Delaney adiantado, falta movimentação. Isso porque Weigl é um jogador que atua excessivamente pelo centro, enquanto Witsel é capaz de compor a defesa caindo pelos dois lados do campo, dando fluidez, versatilidade e, principalmente, imprevisibilidade.
O caso de Delaney é um pouco mais grave, pois se trata de um anti-Witsel. Não por ser um atleta ruim, mas por ter características muito distintas em relação ao belga, tornando até mesmo desleal compará-lo quando na mesma função. Recuado, o dinamarquês não conta com a mesma qualidade no passe de média e longa distância; porém, mais avançado, não tem inteligência posicional para se movimentar o suficiente e criar os espaços necessários para que os defensores avancem e consequentemente a bola chegue ao ataque. Em resumo, é um volante muito duro para um sistema que exige flexibilidade.
A presença de Mahmoud Dahoud serviu para amenizar esse problema, principalmente por se tratar de um meia com melhor movimentação e características que complementam melhor Weigl e a dupla de zaga. Sem ritmo, porém, Dahoud sofreu com duas coisas: mais lento, conseguia ler os espaços, mas a demora para se apresentar eliminava qualquer oportunidade do Borussia. Além disso, falta a confiança para tentar passes mais agressivos e progressões que, por exemplo, faz com frequência pela Seleção de base da Alemanha. Nenhum dos dois foi perfeito, mas Dahoud pareceu mais apto para atuar na ausência de Witsel.
No lance acima, notem como Delaney não volta para buscar a bola e auxiliar a saída na linha defensiva, nem oferece opção de passe no meio, ficando preso a marcação do Union Berlin. Consequentemente, isso deixa Julian Weigl encaixotado entre os jogadores de ataque do Union – que, como pode ser visto, sequer fazem uma marcação muito agressiva para sufocar o volante. A falta de opções na transição deixa Manuel Akanji sem alternativa: bloqueado, decide forçar o passe longo, que neste lance até encontrou Marco Reus dentro da área, mas na maioria absoluta das outras vezes não teve sucesso, como no lance a seguir.
Desta vez, novamente Weigl fica em uma zona de risco, entre os jogadores adversários, impossibilitando o passe. Mo Dahoud, que deveria compor a saída, se apresenta na entrada da área no começo do lance, mas não volta para se apresentar na distribuição de jogo – função que fez melhor do que Delaney na partida contra o Union Berlin, mas ainda assim com muitas deficiências. A lentidão de Dahoud obriga o zagueiro, desta vez Hummels, a forçar o lançamento mesmo não havendo uma opção clara de passe.
As conclusões a serem tomadas a partir das ilustrações acima não são únicas, mas devem todas girar em torno de um fato incontestável: Axel Witsel é uma peça essencial para o funcionamento do Borussia Dortmund. Sua ausência afeta de modo catastrófico o funcionamento dos sistemas defensivo e ofensivo da equipe, faltando equilíbrio e derrubando a capacidade de adaptação para os diferentes momentos de uma partida.
Costuma-se colocar muito peso sobre o rendimento dos zagueiros do Borussia, jogadores que, de fato, acumulam falhas individuais graves e há tempos – não importa qual seja a dupla – deixam a desejar e causa calafrios no torcedor. Todavia, parte da solução parece estar no conjunto: Witsel tem feito bem aos companheiros, cabe ao Dortmund garantir sua forma física e encontrar, talvez nesse elenco (Dahoud) ou na base (Raschl), alguém capaz de substitui-lo sem que o time perca sua referência.